sexta-feira, 25 de julho de 2014

Mantra

Olhou pela janela de sua casa e viu o espetáculo dos fogos no céu. Era virada de ano. O ano de 1994 dava seu adeus e 1995 era recebido com festa nas ruas e casas da cidade. A casa de Antônio era a única da qual não se ouvia barulho algum. Quem passasse por ali imaginaria que não havia ninguém ali dentro, mas havia sim. Um solitário adolescente de 16 anos que apesar da insistência dos amigos para acompanhá-los para a festa na casa de um amigo, resolveu ficar sozinho, vivendo o que seria  o seu primeiro réveillon acompanhado do desalento.
Uma voz vinda de trás de seu portão o tirou do transe. Era Fátima que gritava seu nome. Ensaiou sua melhor cara de indiferença e desprezo e foi atendê-la. “Ah!!! È você, Fátima? O que quer?”  A garota já acostumada com seu jeito nem aí, respondeu com suavidade. “Deixa de ser bobo. Sai dessa casa e vamos nos divertir no André. É virada de ano. Você já passou o natal sozinho.  Vai passar o ano novo também? Não te entendo!!!” Antônio olhou por cima dos ombros de Fátima e respondeu, secamente.“Quero ficar em casa essa noite. Para mim é só mais um dia.” Disse isso e entrou sem ao menos se despedir da garota que ficou ali parada vendo o portão ser fechado em sua cara. Uma lágrima quis cair, mas antônio foi cruel consigo e não permitiu que ela rolasse por seu rosto. Foi até a cozinha, abriu a geladeira e pegou uma champanhe que sua mãe havia deixado, antes de ir para casa dos parentes virar o ano com festa e abraços falsos, foi até o quintal, estourou a champanhe e brindou com as estrelas.  Pensou em Fátima e no interesse estranho que tinha por ela. Era uma menina mais velha. Já ia fazer 20 anos em abril do novo ano e tinha um namorado de 23. O André. Dono da casa para onde todos seus amigos iriam. Antônio sentia tesão por Fátima. Tinha o corpo bem diferente de suas colegas da oitava série. Tinha peitos, pernas grossas, olhos verdes , um olhar  que só anos depois  descobriu conter muita sacanagem, mas  preferia continuar a fingir indiferença.  Sentia uma grande tristeza por usar aquela máscara de desprezo sempre que a  encontrava e que por dentro queimava de desejo. O que ela de fato sentia por um garoto de 16 anos que ainda espremia espinhas? Pena por ser um cara nada popular no bairro, com manias estranhas e gostos diferentes dos outros garotos de sua idade? Antonio jamais permitiria que sentissem isso por ele. Antes ser encarado como um arrogante.  Deu mais alguns goles e permaneceu olhando as estrelas por um tempo indeterminado. Lembrou-se que na sala havia uma ponta de baseado que um dos amigos  que passou em sua casa deixou para que ele fumasse mais tarde antes de dormir. “Já que vai ficar em casa, aos menos tenha bons sonhos com isso” Disse o amigo. A ponta estava sobre um livro na estante próxima a televisão. Acendeu o baseado, ligou a tv e começou a mudar de canal. Não se acha nada de bom na televisão nesses dias. Pensou. Quando sintonizou no canal cultura, ouviu uma batida que chamou sua atenção. Era um especial de Toquinho e Vinicius. Aumentou o volume e aquela lágrima que não caiu quando fechara o portão na cara de Fátima, caiu acompanhada de muitas outras e ele pôde sentir o sal  em seus lábios. A letra do poetinha na voz de Toquinho não trazia respostas, mas lhe despertava sentimentos que lhe salvariam do desalento.  Desligou a tv assim que esse samba acabou e dois versos da letra passaram a se repetir como um mantra em sua cabeça. Já podia ir dormir. Tinha feito as pazes consigo naquele instante. Aceitaria a partir daquele dia a tristeza que viesse, pois descobriu nos versos de Vinicius que “a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não.”


João Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.

domingo, 20 de julho de 2014

Supernova


Nunca me dei bem com a bússola
Aquele norte irritante
Que desafiava a plasticidade
Do meu cérebro perdido
Meu norte sempre foi
A vista da minha sacada
Ao sul do prédio
Apenas a estrada que me levava para lugares longínquos
Mas a noroeste da minha vista
Me intrigava laranja aquela estrela fixa
Tão estática quanto a luz da sacada mais distante no horizonte
Ostentava soberana seus montes flamejantes
Nos errantes devaneios de um poeta amador


Distante do seu amor
Carregava sozinha a dor da solidão infinita
De uma supernova que já foi mas eu ainda não vi




Bruno Francia Carvalho é graduado em História pela UEM (Universidade Estadual de Maringá), pretenso vocalista, apaixonado por leitura, cinema, literatura, história da arte e outras coisas afins. Atualmente leciona como professor (na rede particular e estadual) e tem muito apreço pela escrita independente tanto de poesias, como de textos aleatórios que falam sobre o âmago de quem os escreve. Atualmente mantém um blog independente cujo conteúdo revela seus pensamentos; com o mero intuito de revelar para o público ideias particulares de uma pessoa comum que, como todo mundo, sofre de amores e ódios e tenta expressar isso em palavras

quinta-feira, 10 de julho de 2014

sobre(viventes)

Alguns amores nunca morrem
 acomodam-se como espinhos 
sob a epiderme 
de sentimentos mal resolvidos
  quando inflamados
no coração ou até mesmo na razão
não se sabe bem o que fazer com eles
não se pode matá-los, pois já foram queridos
não se pode esquecê-los, pois foram vividos
    resisti-los é muito pior 
pode ser fatal
o melhor a fazer é acolhe-los
fazer o que pedem
desanuviar as lembranças em retratos
gozar com pensamentos lascivos
fumar cigarros daquela mesma marca
há tempo para os amores passados.





João Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.