O cair da tarde sempre encantou
Horácio de uma maneira estranha. Para ele essa hora do dia possuía um silêncio
diferente. Era o dia debruçando-se sobre si mesmo. Refletindo suas angústias. O
por do sol avermelhava as nuvens, árvores, prédios, pássaros e também o seu
cansaço. A maioria só enxergava a beleza do crepúsculo, mas Horácio enxergava
incertezas nos fins de tarde. Em especial nos de sábado que simbolizavam o fim
de uma semana. O fechamento de um ciclo. Lembrava-se nesses dias de quando tinha dez anos, das manhãs que passou nas missas de domingo que
assistia na companhia de seu avô e das aulas de catecismo com a professora Aline
e seus lindos seios gigantes e firmes acomodados nas blusas quase sempre claras
que usava, deixando transparecer o sutiã. Não era a toa que seu horário de aulas era
sempre o mais disputado pelos garotos de sua idade. Tanto ela como o
padre sempre se referiam aos sábados
como o dia em que deus havia descansado após ter criado o mundo. Era sempre confuso lembrar-se disso. Se deus havia criado o mundo, deve ter
refletido após terminá-lo. Assim como
reflete o escultor, o poeta o carpinteiro após terminar seu trabalho. Não há
descanso para quem cria. Pensou isso enquanto acendia mais um cigarro e
levantava-se para ir até a geladeira pegar mais uma cerveja. Refletir é sempre
um sofrimento. Refletir não muda as coisas. O que foi feito está feito, mas a
gente insiste em reviver aquilo que não deu certo. Os amores que se foram. As chances perdidas. A
felicidade que não veio. Pensamentos não mudam a realidade só a torna mais
insuportável. Pensar era uma herança de deus ou de quem o inventou. A morte nessas tardes sempre lhe pareceu a
única redenção possível.
João Francisco Aguiar é um dos
editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e
colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita
em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está
satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano,
mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação
supera a razão.