segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Sua tristeza era só mais uma esquina


A última vez que a viu  foi na praça no centro da cidade de Ribeirão Preto. Era uma manhã de domingo e o sol já estava forte. Essa cidade é mesmo quente.  Caminhava devagar de mão dada com o filho que completaria dois anos no mês seguinte. Não teria reconhecido o garoto se não estivesse com a mãe. A memória lhe trouxe a lembrança  do menino   engatinhando vivamente pelo quintal.  Isso fazia meses. Ela estava linda em seu vestido estampado. O sol a contemplava tanto quanto ele. Quase disse  oi quando se aproximaram, mas desistiu antes que  o vissem e entrou em uma banca de jornais e revistas. Os dois passaram bem próximos a banca, ela estava tão compenetrada sendo mãe que não notou sua presença há alguns metros  entre revistas de esporte, fofoca e sacanagem.  Parou e abaixou-se para amarrar os sapatos do filho. Quando voltou a andar um vento misericordioso lhe trouxe seu perfume. Os dois continuavam seu caminho agora de costas para afonso.Pelo movimento dos corpos, percebeu que conversavam. Imaginou um possível diálogo entre mãe e filho. “Mamãe quero pipoca!" A resposta viria em uma voz atenciosa e responsável. “Agora não. Pipoca só após o almoço, bonito." Riu de sua falta de criatividade ao imaginar uma conversa tão clichê. A esquina se aproximava e pensou mais uma vez em  chamá-la, mas lembrou-se da última vez em que tentou  um contato e sentiu seu olhar pesar uma tonelada sobre seus ombros.  Desde que deixaram de se ver tem sido assim. Barbara o evita e Afonso insiste inutilmente em resgatar um mínimo de carinho que ela ainda possa ter por ele. Quando  enfim dobraram a esquina, sentiu-se de novo sozinho.  Comprou um jornal. Tinha um cigarro aceso em meio aos  dedos de sua mão direita e ia em direção a cafeteria. Um café quente era o que ele mais precisava. Debaixo do braço esquerdo tinha o jornal do dia. A cada passo reconstituía na memória tudo o que aconteceu naquela manhã. Tinha a cabeça baixa.  Sentiu um pingo molhar a sua nuca e depois desse, vários outros.  Largou  o cigarro e se protegeu com o jornal. Chegou a cafeteria molhado e pediu um expresso. Acendeu outro cigarro. Enquanto esperava o café, contemplava a chuva. Pensou novamente naquela manhã e concluiu que vida continuava e a sua tristeza era só mais uma esquina.



João Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.


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