terça-feira, 13 de dezembro de 2011


Duas da madrugada de um Sábado gelado.

Lucas chegou em casa visivelmente perturbado. No estofado de seu Vectra, cápsulas e latas vazias denunciavam a noite que passara ao lado de boêmios e prostitutas. Mas isso  tinha pouco a ver com o seu estado. O desespero nos seus olhos era de quem finalmente acordara. “Mas para quê?” Se perguntava aflito. “Meus pais me dão grana sempre que eu peço. Foi a forma que eles encontraram para que eu perdoasse o fato de nunca estarem presentes. Hoje é meu aniversário e eu ganhei esse carro zero. E eu nem carta tenho”. Lucas descobria-se nessa madrugada um anjo imperfeito, de alma suja, um zumbi cujo desejo era apenas o consumo de drogas, sexo, prazeres artificiais numa busca sem fim por satisfação. Do lado de fora da casa podia ouvir a agitação de trabalhadores que já se dirigiam para os pontos de ônibus no intuito de pegar o primeiro circular para mais um dia de labuta. Ter um emprego era uma hipótese impensada na vida de Lucas. Ele jamais seria o mesmo depois dessa constatação. Tinha completado dezoito há algumas horas e o mundo sem prévio aviso explodia dentro de seu cérebro como uma bomba relógio, condenando-o a perecer como um fantasma e  continuar vivo seria levar para sempre a consciência da irreal condição humana de exploração e mentiras. “ Maldita Sara que me legou esse mal do qual não há cura senão o enfrentamento, mas não fui educado para isso. Meus pais me ensinaram a ser covarde e a respeitar as regras de convivência que me ditam uma moral que me beneficia, é claro. Beneficia minha vida vazia. Para a qual não poderei mais voltar. Maldita Sara!! Por que não guardou para você essa verdade?!”. De joelhos ao lado da cama, iluminado pela luz da televisão, sentia pela primeira vez a angústia de caminhar sem nunca chegar. Com as duas mãos em concha sobre suas pernas, contemplava o que lhe restara: a noção da mentira. A desilusão era o único sentido daquela madrugada. De resto tudo era absurdo.   

                  

João Francisco Aguiar é um dos editores do âncorazine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.

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