domingo, 1 de janeiro de 2012


Os rumos que a vida toma... 



Véspera de ano novo. Estou na Mini Rodoviária de Ribeirão Preto. Espero pela carona de Alan Belíssimo até a casa de Letícia, namorada do amigo Alex Drenados. Lá iremos nos reunir com os amigos e passar a virada. São Dez horas e o aLan só poderá   me pegar às onze horas.  Tinha tempo de sobra pra tomar umas cervejas, fumar uns cigarros e pensar na vida. 

Está chovendo, ora muitos pingos, ora poucos, mas bem molhados pingos de uma chuva que parecia sem fim. Compro uma cerveja no posto e acendo um cigarro. Do outro lado da rua um mendigo se protege debaixo do  toldo da banca de jornal e revistas que está fechada. São poucas as pessoas na rua. O homem mal trapilho,  enrolado em um cobertor do outro lado do asfalto, de repente me chama, não pelo nome, claro. Não nos conhecíamos. Já o tinha visto alí várias vezes, embrulhado em seu cobertor. Olhando para dentro de uma sacola plástica de supermercado...lá guardaria certamente os seus pertences, suas lembranças, talvez dias felizes, porque todos já tivemos dias felizes, mas nunca sabemos ao certo quando esse momento acontece. Só quando eles passam e se tornam lembranças.  Aí sabemos que foram felizes.

O mendigo se comunicou comigo por um gesto, imagino que universal. Levou sua mão direita a frente de sua boca, ergueu apenas dois dedos, o indicador  e o do meio. Numa intenção clara de me pedir um cigarro. Aprendi com a boêmia que cigarro não se nega. Isso me foi dito certa vez em um balcão de bar. Nunca mais esqueci. Quando me pedem dinheiro na rua, dificilmente dou. Não me sensibilizo com as desculpas que encontram para justificar seus pedidos descabidos, mas cigarro, nunca neguei. A chuva havia dado uma pequena trégua, então atravessei e entreguei um cigarro ao velho que nem sequer me agradeceu. Voltei para o outro lado e acendi mais um cigarro.

A cada tragada no cigarro uma dúvida diferente me incomodava a respeito dos rumos que tomam nossas vidas. Atravessei novamente a rua, dessa vez fui até o posto comprar mais uma cerveja. Ainda estava com a mente incomodada com o contato que tive há pouco instante com o velho da sacola plástica.   Dirigi-me ao caixa e quando fui tirar o dinheiro da carteira fui surpreendido por uma voz familiar. “ ô....rapaz!! como vai??” Era o atendente. Um conhecido dos tempos de escola. O uniforme havia impedido que eu o reconhecesse antes. Uniformes anulam pessoas. É pra isso que eles servem. Anulam pessoas e sentimentos. Naquele instante vi apenas um atendente impedindo a minha saída do posto para que eu pudesse enfim tomar minha cerveja, fumar mais um cigarro e curtir meus pensamentos. Disse oi ao rapaz que me era familiar. Perguntei sobre o fato de trabalhar na véspera de ano novo. Se teria um horário especial a ser cumprido para que pudesse estar com os amigos ou com a família. Ele respondeu:  "nada...vou sair no horário de sempre...o que importa para o patrão é ganhar dinheiro." Os funcionários que se fodam.” Vi que demorava em me devolver o troco. Pensei. “Acho que esse cara tá querendo ficar com meu troco.” Lembrei-me de onde conhecia aquele rapaz. Havia estudado na mesma sala que eu e era um folgado. Achava-se o malandrão do colégio. Senti um pouco de raiva naquele instante.  “Meu troco, eu quero meu troco.” Calma, já vou te dar. Com um sorriso no rosto entregou-me somente as notas. “As  moedas rapaz, também quero as moedas.” Finalmente, já com o seu sorriso desfeito, o cretino me entregou as moedas. Desejei-lhe um feliz 2012 e sai. Atravessei de volta a rua e acendi outro cigarro. Que rapaz folgado aquele do posto. Ainda se me pedisse, mas não, já foi ficando com o troco. Lembrei-me da vez em que me roubaram o lanche na escola, nunca soube quem havia sido o autor que se aproveitou da confusão de alunos a frente da cantina e aproveitando-se de minha baixa estatura, alcançou o lanche antes de mim. Agora não tinhas dúvidas de que foi aquele cara que surrupiou o meu sanduiche.  Aquele mequetrefe...Maldito!!!!!

Chegou então um senhor e sentou-se ao meu lado. Um senhor de camisa azul. Esperava um taxi para a casa da irmã, mas estava na dúvida se seria bem recebido pelos familiares porque havia presenteado o sobrinho, que acabara de tirar sua habilitação de motorista,  com uma moto.  Perguntou-me. “você é militar?” Respondi que não. “ pois parece...tem pinta de militar.” "Não sou não." Respondi.  "Só estou com vontade de matar alguém por uma coisa que talvez nem se lembre que fez, mas sei que ele fez e quero matá-lo. Se eu fosse militar teria uma arma e faria isso com certeza no fim do expediente, quando ele saísse do posto.” O velho me disse que era aposentado da Policia Civil e que tinha uma pistola ponto 40 ali com ele caso eu precisasse. “Não tô mesmo a fim de ir à minha irmã, fico aqui com você e a gente pega esse vagabundo na calada da noite. Meu apartamento é logo alí. Lá tem bebida. A gente fica lá observando ele e quando sair a gente segue o desgraçado. Só que você que irá apertar o gatilho. Certo? Dei outra grande tragada em meu cigarro. Precisava daquele breve instante para pensar. Ah!!! Os rumos que a vida toma!!!! Uns tornam-se mendigos...Outros frentistas de um posto...e outros  policiais aposentados,  frustrados e alcoólatras e eu estava prestes a tornar-me um assassino de um praticante de bullying.

Nesse momento olho para meu lado direito e vejo um UNO. Identifico o motorista. Era o Alan, sua namorada e seu cunhado. Minha decisão estava tomada. Olhei mais uma vez o aposentado e lhe disse. “olha, chegou minha carona. Sugiro que você passe a virada de ano com a sua irmã. Feliz ano novo”.  


 João Francisco Aguiar é um dos editores do âncorazine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo, troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.

2 comentários:

  1. Gostei demais, rapaz!
    A vida é feita de escolhas mais ou menos conscientes que mostram como o ego é volúvel e transitório.

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