O
sumiço de Andreia
Andreia
jamais se levantava da cama antes que o sol atingisse o centro do céu. Por mais
que o mundo lá fora pedisse sua presença. Porém, num dia atípico, daqueles que
dificilmente acontece, ninguém sabe se por insistência dos carros e motos que
roncavam na sua rua, resolveu levantar-se. Toda casa se surpreendeu. As
pantufas aos pés da cama quase morreram com o susto, arrepiaram suas pelúcias e
esconderam-se apavoradas. Seus pés tocaram o chão e ambos sentiram-se... gelados. E lá se foi Andreia,
vestindo a camisola dada pela sua avó, transpassando e respirando o ar da manhã
e bastante surpresa com a novidade. Pelo corredor, as paredes perguntavam aos
quadros nelas pregados, o que estaria fazendo acordada tão cedo. O medo do
diferente tomava toda casa. Todos tentavam uma explicação para o absurdo
daquela manhã. Andreia caminhou pelo corredor estreito e mal iluminado.
Procurava a porta da rua, mas a chave se escondia atrás do pinguim de
geladeira. Seus pais com o barulho causado pelos inusitados passos se
levantaram e foram correndo ver o que estava acontecendo, mas já havia
encontrado a chave fujona e destrancado o portão que durante muito tempo lhe escondera a visão
de qualquer horizonte e apresentava a
seus virgens olhos azuis o negro viril do asfalto. O sol a contemplava serena e
lhe exibia seu desprezo de rei. Nunca
mais voltou depois daquela manhã. Seus
pais resolveram trancar a porta de seu quarto para sempre. Tiraram de dentro
dele somente as lembranças que guardaram no fundo de seus corações. Tirando-as
de lá apenas nos dias em que a saudade aparecesse para fazer sua incomoda
visita. Hoje, nem a polícia mais procura por Andreia. É como se ela nunca
tivesse existido. No interior de seu quarto nem sua cama, aparelho de som,
livros e cds se lembram dela, porque afinal, seus pais tiraram-lhes as
lembranças e deixaram em seu lugar
somente a companhia insólita do tédio, que não quer saber mais de ir embora.
João
Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor,
conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda
Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como
mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não
mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se
conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.
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