domingo, 5 de maio de 2013


O sumiço de Andreia

Andreia jamais se levantava da cama antes que o sol atingisse o centro do céu. Por mais que o mundo lá fora pedisse sua presença. Porém, num dia atípico, daqueles que dificilmente acontece, ninguém sabe se por insistência dos carros e motos que roncavam na sua rua, resolveu levantar-se. Toda casa se surpreendeu. As pantufas aos pés da cama quase morreram com o susto, arrepiaram suas pelúcias e esconderam-se apavoradas.  Seus pés tocaram o chão e ambos sentiram-se... gelados. E lá se foi Andreia, vestindo a camisola dada pela sua avó, transpassando e respirando o ar da manhã e bastante surpresa com a novidade. Pelo corredor, as paredes perguntavam aos quadros nelas pregados, o que estaria fazendo acordada tão cedo. O medo do diferente tomava toda casa. Todos tentavam uma explicação para o absurdo daquela manhã. Andreia caminhou pelo corredor estreito e mal iluminado. Procurava a porta da rua, mas a chave se escondia atrás do pinguim de geladeira. Seus pais com o barulho causado pelos inusitados passos se levantaram e foram correndo ver o que estava acontecendo, mas já havia encontrado a chave fujona e destrancado o portão  que durante muito tempo lhe escondera a visão de qualquer horizonte e  apresentava a seus virgens olhos azuis o negro viril do asfalto. O sol a contemplava serena e lhe exibia seu desprezo de rei.  Nunca mais voltou depois daquela manhã.  Seus pais resolveram trancar a porta de seu quarto para sempre. Tiraram de dentro dele somente as lembranças que guardaram no fundo de seus corações. Tirando-as de lá apenas nos dias em que a saudade aparecesse para fazer sua incomoda visita. Hoje, nem a polícia mais procura por Andreia. É como se ela nunca tivesse existido. No interior de seu quarto nem sua cama, aparelho de som, livros e cds se lembram dela, porque afinal, seus pais tiraram-lhes as lembranças e deixaram  em seu lugar somente a companhia insólita do tédio, que não quer saber mais de ir embora.

João Francisco Aguiar é um dos editores do âncora zine e desse blog. É professor, conhecido por seus alunos e colegas de trabalho como jofra, baterista da banda Corvo de Vidro. Não acredita em processos de mudança, e sim na ruptura como mudança do real. Se não está satisfeito com o pano de fundo de sua vida, não mude a si mesmo troque o pano, mude de amigos, de cidade e até de planeta se conseguir. Para ele a imaginação supera a razão.




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