sábado, 1 de outubro de 2011

Lanterna Mágica


O coro das sombras humanas

Acompanhávamos seus passos lentos
Dele Dela
Nascíamos de seus pés
Dela Dele
Nós
Negras figuras arrastadas pelos tristes corredores
Entre cubos de mármore
Sob os olhos dos santos
Cobríamos flores murchas secas
Tínhamos o tamanho de um gigante etíope
Tínhamos seis metros
Tínhamos a forma esquálida de uma fome humana
Do outro lado
Dele Dela  
Morria o sol dourado morno.
Dela Dele
Éramos testemunhas únicas
Guardávamos suas costas
Apagávamos seus rastros
Suas vestes negras recortavam silhuetas humanas
Que mais pareciam ausência de céu que a presença da carne.
Desse buraco aberto no mundo
Ele Ela
Escorríamos longos pelo solo áspero.
Ela Ele
Mulher menino
Acompanhavam em silêncio mudos
O pequeno corpo oculto
Guardado
Ornado
Frio
Por fim,
Um mergulho seco
Presenteando a terra a sombra o nada

                                                                              XXX



               
O coro das horas mudas

...enquanto atravessávamos caladas... estavam Ele e o Outro... sob a sombra dos chorões ou dos bambus... Ela estava calada... lendo... sempre lendo... às vezes olhava... às vezes sorria... às vezes sentia algum prazer... o Outro e Ele... gêmeos...  brincavam... os bambus envergados eram uma bela cabana... brincavam... Ele corria às vezes... o Outro não... assim era o Outro: tinha os pulmões fracos... tinha um sorriso bonito... tinha os músculos flácidos... tinha luz solar nos olhos... não conhecia as palavras... não aprendera nenhuma... Ele sabia... muitas delas... palavras... Ele corria... Ele nadava... Ele era um menino comum... o Outro era todo luz... e silêncio... Ela... a mãe... lia... lia e parava... pensava... nós atravessávamos caladas... enroscadas em seus pensamentos... nós conhecíamos o que Ela era... sob a sombra do seu afeto... uma dor já crônica arranhava... Ela estava cansada... o Outro seria sempre luz... e silêncio... o Outro também era Ela... Dela... filhote... não filho... filhote, dizia Ela... enquanto nós atravessávamos caladas... Ele e o Outro... cresciam em silêncio... gêmeos... nas noites de inverno... vestiam pijamas de flanela... Ele fazia cabanas de lençóis... o Outro sorria... projetavam sombras com a lanterna... silhuetas de pequenos bonecos... cresciam trêmulas: elefantes... águias... girafas... leões... invadiam as paredes... o Outro faiscava luz pelos olhos... e era sempre silêncio... Ele amava o Outro... Ele cuidava de seu silêncio... os dois... mudos brincavam... mudos sonhavam... mudos se amavam... os dois filho e filhote Dela... Ela servia a sopa... Ele comia com suas próprias mãos... o Outro tinha os músculos flácidos... Ela como pássaro alimentava-o... derramava a sopa em sua boca... dia após dia... enquanto passávamos... Ele corria menino... o Outro trocava passos... tronchos... tortos... Ela era a mãe pássaro... o Outro jamais voaria... Ela para sempre mãe pássaro... Ela estava triste... mas Ela sorria... e cuidava... Ele já ia ao colégio... Ele aprendia palavras... Ele cansou do silêncio... ao Outro bastava olhar o mundo... transbordando luz... de seus grandes olhos... Ele detestava o colégio... ao Outro o tempo era sempre o mesmo... ao Outro Ela seria sempre asas... afeto... cuidado... Ele já não era o Outro... eram um e Outro... já não faziam cabanas... Ele mostrava ao Outro... que podia correr... Ele falava para violar o silêncio... Ele voava revolto... o Outro... sorria... nunca era trevas... Ela sim... era trevas... estava cansada... enquanto nós passávamos... ouvíamos sua respiração acumular... como se só inspirasse... e inspirasse... e inspirasse... Ela lia calada... a tarde estava quente... a piscina refletindo o céu... muito azul... muito azul... muito azul... enquanto passávamos mudas...
      
XXX

O coro das águas profundas

Cabia o céu em nós e era bonito passar alguma nuvem perdida com forma de carneiro ou ave. Tocava-nos uma brisa leve tremulando doce a nossa face. Passava o dia calmo e quente e andorinhas como tesouras negras recortavam o céu. Nós como um recorte geométrico aqui deitadas retangular e rasas Águas. O Outro sorridente entortava passos turvos sobre o gramado. Ela ora lia ora banhava-se em sol dourado. Ele tira a camisa o short o tênis corre e salta. Espirra agita grita brinca mergulha alegre em nós. Geladas. Ele sabe nadar e flutua leve sobre a superfície. O Outro encantado derrama pelos olhos toda a luz do mundo e mudo quase fala. Ele vê no Outro o desejo lhe acendendo a face e o chama. Ela em outros dias com o Outro em nós mergulhara. Ela o segurava sobre nós águas frias rasas ele sorrindo mexendo os braços ensaiando voo. Ela hoje andava cansada e triste e permaneceu ao sol ao longe calada. O Outro vibrava e Ele ria e o chamava sabendo que o Outro não nadava. O Outro tinha os músculos flácido os pulmões fracos mas desejava. Saltou sorrindo de braços abertos como se fossem asas um salto pequeno que mais parecia queda e o céu se abriu sobre seus pés descalços agitava desarticulados os braços as pernas os grandes lindos olhos e pelo sorriso aberto nós  águas entravamos frias azuis celestes por que nenhuma água é rasa o corpo Outro emerge e  novamente naufraga várias vezes enquanto Ele nada nada grita desespera e cala e age e de seus olhos escorre choro água. Ela não ouve. O Outro para. Ele cala. O Outro em silêncio e lento afunda com braços aberto. Parece enfim voar em um céu sem ondas. Um carneiro pasta. Uma ave passa. Ele acha bonito que o Outro deslize sob as águas não mais troncho não mais torto. Todo água. O Outro continua a afundar e afundar porque nenhuma água é rasa. Leva o tempo do mundo até as pontas de seus dedos tocarem os azulejos. Os seus cabelos algas. Ele agora é só. Ele. O Outro não mais luz... Silêncio.


XXX

Coro das horas mudas

Ela ouve... enquanto passávamos mudas... Ela ouve e cala... O que houve?... Ele grita... um grito absurdo... Ela treme e cala... Ela quer levantar... Mas inspira... inspira... inspira... Ela sente que pode explodir... que vai afundar na cadeira... que a pele se rompe... Ele grita... Ela olha... sobre a revista... o Outro se agita... afunda... Ele grita... o nome Dela...  Ela se esconde... atrás da revista... e chora... enquanto passávamos mudas... o Outro cala... Ele cala... Ela cala...   



     
Uma pequena apresentação minha:

Murilo De Paula, sou formado pelo curso de Artes Cênicas da Unicamp. Artista Cênico, atuo um pouco danço talvez escrevo rabisco palavras desenhos qualquer coisa que caiba na voz que se faz entre um e outro. Atualmente faço parte do núcleo de dramaturgia do SESI/Britsh Consil, da Caleidos Cia de Dança e sou orientador de teatro pelo Projeto Ademar Guerra. Rabisquei, cortei e colei o Ancora Zine, e já que o Zine veio a mim com Mãe e Pai me declaro o Amante.


Nenhum comentário:

Postar um comentário